"Mitros!", falou a moça.
O rapaz pareceu desconcertado por um instante, mas logo recuperou a postura.
"Aellai", disse. Olhou a sub-artífice com uma altivez fingida, mas logo se desfez num suspiro. "Quantas vezes já lhe falaram pra não andar lendo? Sua louca."
Ela não reagiu. Tinha os cabelos escuros soltos e descontrolados, emoldurando o rosto suave como vime selvagem.
"Cala a boca", por fim ela falou, como um chicote. "Não fale comigo. Estou em jejum de palavras."
Mitros observou, atônito. "Que acabou de ser quebrado, né?"
Aellai continuou impassível. Então Mitros percebeu que ela nem sequer tinha aberto a boca em primeiro lugar, mas estava usando o Artifício XXII do Livro Aeromante. Conhecido entre os sub-artífices como Vibravoz, o artifício manipulava as vibrações do ar para criar efeitos sonoros.
O garoto apenas deu de ombros, ainda que impressionado com a destreza com que ela simulou a própria voz. Aellai sempre fora neurótica com seu treinamento, e nos momentos de estresse tendia à histeria. O jejum de palavras era mais uma superstição que uma lição propriamente dita, e muitos se submetiam a ela antes das provações. Diziam que manter as palavras dentro da boca ajudava a concentrar os pensamentos em um só lugar e a melhorar o desempenho.
E é claro que Aellai recorreria ao que quer que fosse se houvesse chance de melhorar sua performance, o que era difícil. A moça já era uma das melhores sub-artifícies daquela geração.
"Bom", disse Mitros, "sabe que às vezes o jejum faz mais mal que bem né? Soube que na provação do ano passado um dos garotos da Ala Mykhonos teve um caso sério de flatulência bem na hora mais crítica."
Aellai desvencilhou-se do comentário com a mão e voltou a se concentrar na leitura andante. Mitros acompanhou-a, rumo ao salão onde se daria o momento que moldaria suas vidas para sempre.